O quitandeiro

 Confinamento - dia 8


Não me chamem para ir à supermercados porque não gosto, não vejo valia. Sempre que vou é porque realmente preciso e sempre saio de lá irritada; me sentindo roubada, frustrada e mais gorda. Agora, querem me ver feliz da vida é me chamar para ir a quitandas, feiras livres e sacolões. Adoro! E, como sou sortuda, tenho perto de casa uma quitanda.

A quitanda lembra muito aquelas quitandas antigas, de quando ainda conversávamos uns com os outros nas ruas. O espaço é pequeno e sem nenhuma decoração. Um decorador diria que é rústico para mim é um lugar a moda antiga. Do lado de fora têm vasinhos de flores para vender; amores-perfeitos, azaleias e begônias enfeitam a calçada.

Ao adentrar o lugar, o piso é simples, caixotes de madeira de todos tamanhos espalhados numa organização fenomenal: batatas, cenouras e outras raízes de uma lado; abobrinhas, berinjelas, pimentões próximos as folhas e, num cantinho, quase esquecidas, beterrabas (já cozidas); folhas de loro, manjericão, hortelã, salsinha e coentro.

Como o comércio só vende produtos locais, não é fácil achar frutas no período do inverno. O quitandeiro, apelidado por mim de Sr. Grumpy (rapugento), já explicou que não quer fazer negócio com outros países “porque eles não entregam produtos frescos”. No período do inverno, as frutas aqui vêm de lugares mais quentes como Itália, Espanha, Portugal, América latina e África. Acho que o quitandeiro tem suas razões, seus clientes, na maioria jovens acima dos 80 anos, não se importam em comer mamão. Isso é coisa de gente nova ou de latinos como nós. Durante os meses de frio a terra dá maçã e pêra e é o que os frequentadores do lugar comem.

A quitanda é um negócio familiar. Sr. Grumpy trabalha com a esposa, seus dois filhos e mais um funcionário. Pode ser seu sobrinho. Não sei, não perguntei. O quitandeiro não dá espaço para muitas perguntas. Magro e ágil, ele está sempre ocupado ajudando e discutindo com os clientes.

- A babata está mais cara porque paguei mais por ela. Não tem segredo, monsieur.
- Não adianta, madame, não dá para fazer desconto na dúzia de ovos. O monsieur dos ovos me vendeu com um preço mais alto essa semana.

Eu entendo a personalidade do Sr. Grumpy, não é fácil lidar com os mesmos clientes há tantos anos. É um casamento sem papel.

Até a pouco tempo atrás, pensava que ele não sabia da minha existência. Foi quando, num dia ensolarado de primavera, entrei para comprar verduras e frutas. O quitandeiro, ágil como sempre, veio até mim e disse:

- Madame, temos hoje o tipo de morangos que a senhora gosta e eles estão docinhos. Comprei com um preço ótimo.

Como ele sabia que eu gostava de morangos? E mais, como ele sabia que eu gostava de morangos daquele tipo? Gosto de um tipo de morango que é pequeno, rosinha e saborosíssimo, parece mel. A partir daquele momento percebi que fazia parte do seleto grupo de clientes VIP do Sr. Grumpy e senti uma satisfação. Sem adesão ou sem carteirinha, quitandeiro sabia mais de mim e dos meus gostos do que a senhora caixa do Carrefour, onde eu que tenho o cartão fidelidade.

A última vez que vi a família do quitandeiro foi no domingo passado. Perguntei para a Sra. Grumpy, que é sorridente e não rabugenta, se eles iriam fechar durante o confinamento. Ela me assegurou que não. Essa semana meu marido foi lá comprar verdura e adivinhem? Colado na porta tinha um aviso dizendo que estavam fechados por tempo indeterminado. Sem mais a dizer.

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