O circo
Confinamento - dia 7
De pequena adorava quando que meus pais me levavam ao circo. Meus olhinhos brilhavam a cada vez que via a corajosa acrobata nas alturas. E o globo da morte? Me lembro que esse era um momento de muito suspense. As luzes se apagavam, eu parava na hora de comer a minha deliciosa pipoca, observava as crianças chegando mais perto dos seus pais e, eu que não era boba, quase me jogava no colo dos meus.
- Respeitável público, tomem conta de seus filhos e não os deixem sair de perto - Dizia o locutor com uma voz assombrosa.
Ficávamos estáticos esperando. No picadeiro, com quase nenhuma luz, o globo era montado. Uau, o globo da morte. Eu voltava a comer a pipoca atenta a tudo, enquanto conversava sem parar com papai.
- Papai, quero ser artista de circo. Quero viajar o mundo fazendo espetáculos, fazendo as pessoas rirem e dar cambalhotas.
– Filha, artistas de circo ficam sem ver o papai e a mamãe.
- Mas, pai, eu quero fazer meus espetáculos. Vocês podem vir me ver quando sentirem saudades.
Diálogos assim eram frequentes entre meus pais e eu. Assim era o circo para mim, um lugar onde as pessoas eram felizes, faziam o público feliz e davam cambalhotas.
Então, quando meu marido me disse que tinha ganhado dois ingressos para o circo que tinha chegado à nossa cidade, fiquei em êxtase. “Não acredito que vamos ao circo. Vou pegar dinheiro porque quero pipoca, algodão doce e tudo mais.” Quem me conhece sabe que tenho um lado infantil muito forte. Psicólogos podem explicar isso.
A hora do show chegou e meu coração estava alegre. Me sentar naquela arquibancada de madeira, quase improvisada, me emocionou. Saudades de um tempo que não volta. Saudades de papai.
O espetáculo começou. Vieram os palhaços para aquecer público. Rimos muito. Depois um número de malabares e depois, o primeiro número com animais. Os camelos estavam tristes, pareciam que não queriam estar fazendo aquilo. Um olhar de confinamento. A partir daquele momento, o circo começou a ter outro sentido para mim. Em duas horas de espetáculo, vi muitos animais se apresentando.
Se antes a emoção era saudosa, a partir do momento que os números com bichos começaram, o sentimento se tornou desalegre. Não entendia por que ainda fazíamos essas coisas com esses seres. Até hoje não consigo entender se foi inocência minha achar que não teriam animais, ou que os animais estariam felizes trabalhando forçadamente no circo, ou mesmo pura ignorância.
Se tivesse me tornado artista de circo, será que pensaria desta forma? Não sei. Dizem quw somos frutos das nossas experiências de vida, do nosso meio.
Enquanto escrevo estas linhas me ponho a pensar se as famílias circenses estão bem, assim como os pobres animais. De uma coisa não tenho a menor dúvida: todos lá devem estar com a mesma expressão; um olhar assustado de quem está num cativeiro.
Respeitável público, sejam fortes e confiantes. Que possamos aprender a ter a paciência de animais que vivem enjaulados, eles também devem esperar por dias melhores.
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