Atena - a minha deusa

Confinamento - Dia 6




Tempos engraçados, esses da quarentena. Tenho lembrado de pessoas, de fatos, de sentimentos já há muito longe da minha mente. Por algum motivo veio-me a lembrança da época em que eu dava aula de inglês para crianças.

Ensinei inglês para crianças de 3 a 12 anos. Como eu era autônoma, trabalhava em muitas escolas diferentes. Embora muito cansativo e não tendo muito a ver com meu perfil, eu me divertia muito com elas. As histórias que trago comigo dessas crianças fariam muita gente fazer pipi na calça.

Hoje eu acordei com o rostinho da Atena na minha cabeça. Embora esse não seja seu nome verdadeiro, eu acho que esse é um nome que combina com ela: Atena, deusa da sabedoria e da guerra. Os pais a batizaram com um nome de flor e sua aparência lembra muito mesmo, mas sua personalidade é de uma deusa guerreira.
Atena é linda. Ela tem os olhos grandes e expressivos, que variam entre o azul e o verde, e um sorriso aberto com a risada mais fácil do mundo, e os dentes da frente já não são mais de leite, o que é um orgulho para ela. A corajosa menina está sempre feliz; é independente, inteligente, líder do grupo, curiosa e muito criativa. 

A maneira como ela se veste diz muito sobre ela. Aqui na França, uniformes escolares não são obrigatórios, então o que mais vejo são crianças coloridas saltitando nos pátios. Atena também está sempre muito colorida. Calças verdes com saia rosa por cima, jaqueta roxa e arquinho colorido na cabeça. 

- Atena, adorei sua combinação!

A jovem criança não tem tempo para respostas; ela só estufa o peitinho de felicidade, sorri e começa a me falar sobre outras coisas. 

Mas ela não era só isso. A garotinha também me ajudava e tinha um mundo que eu invejava. Eu adoro o mundo infantil! Como ela era muito mais criativa do que as outras crianças, enchia-me me enchia os ouvidos com suas histórias mirabolantes. Eu só babava de orgulho. Adorava! Todas as vezes que eu chegava na sua sala para dar aula, ela dava o sorriso mais lindo do mundo, abria seus bracinhos e me dava o melhor abraço do dia. 
Uma das histórias mais marcantes entre nós foi quando, um dia, eu, doente, com febre, quase sem voz, pedia silêncio e ninguém atendia. Eu estava sem condições de dar aula. Dentro da minha cabeça eu só queria que o tempo passasse rápido para eu ir para casa e me jogar na cama. Mas Atena, além de deusa da sabedoria, é também da guerra: viu-me ali rendida e resolveu me ajudar.

- Parem, simplesmente parem de fazer bagunça!, gritou. 

E continuou:

- Vocês têm que respeitar a Karem! Poxa, ela vem todo dia do Brasil só para dar aula para gente na França! Vocês pensam que é fácil? Não é não! Meu pai me explicou que ela tem que ficar doze horas no avião e isso
cansa muito! 

Silêncio geral. Eu olhei e vi as crianças em choque, sem fazer nenhum barulho; uma dezena delas me olhava fixamente, sem piscar. Eu confirmei com a cabeça as sábias palavras da deusa da sabedoria. Eu acredito que esse silêncio avassalador não durou nem cinco segundos.

- Karem, tem lanche da tarde no avião?, perguntou um.

- Karem, você vem sozinha ou com seu pai?, indagou outro.

- Karem, hoje é aniversário da minha tia!, disse um que devia estar em outro planeta enquanto Atena discursava.

Pois essa é Atena. Ou era, porque já faz um ano que eu não dou mais aulas. E, como as crianças crescem muito rápido, ela já deve ter mudado. Eu espero com todo meu coração que Atena esteja bem e feliz. Espero que todos os meus outros alunos estejam seguros. Que todas as crianças do mundo estejam em paz. Ah, também espero que o dentinho da minha aluninha Margareth tenha finalmente caído. Ela sempre dizia que o sonho dela era ficar banguela. Precisamos que mais sonhos se realizem. Precisamos continuar a alimentar os sonhos das próximas gerações. 



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