A vizinha

 Confinamento - Dia 2


Meus vizinhos são estranhos. Não estou brincando ou fazendo drama. Eles são bizarros mesmo. Bizarros ao ponto de estacionarem o carro na contramão só para pegar a vaga da rua antes da gente.

Sim, isso aconteceu com a médica. A chamo assim porque logo que eu mudei para cá, ela veio falar comigo. Não, ela não veio me perguntar se eu precisava de algo, e, sim, para saber quem eu era, se tinha visto de residência na França onde meu marido trabalhava, o que eu fazia. Que cansativo.

Médica recebeu este apelido porque me disse, no nosso primeiro encontro, que fazia um curso técnico de enfermagem e que, só para eu entender, ela seria por assim dizer: médica.

Antes que venham os odiadores de plantão dizer que estou menosprezando os técnicos de enfermagem, digo logo que não estou. Os valorizo demais porque já fiquei internada várias vezes (mais de três e menos que 5) e foram eles que cuidaram de mim e me apoiaram psicologicamente. Só acho que ela não precisava falar essa frase numa primeira abordagem e com uma certa soberba. Ela quis se auto afirmar, eu sei. Ok, entendo. Somos todos seres humanos e estamos todos confinados agora. Isso já não faz mais sentido.

Madame Médica é muito engraçada. Adora fofoca. Sei disso pq ela sempre está de conversa com alguém e sempre apontando o dedo para alguma direção da vizinhança. Seu olhar atento me segue sempre quando eu passo na rua ou quando eu estou com alguém. Curiosa mesmo. Diria que é mais curiosa que eu. Uia!

Esta senhora tem um carrão, aquele tipo banheira, dirige perigosamente e não deve saber usar a seta porque ela nunca a usa.

Uma vez, quando estava voltando do supermercado, vi tinha um lugar perfeito para estacionar e iria descarregar as minhas compras. Era em frente de casa, que por ironia do destino é em frente da casa dela também. Pois bem, Sra. Médica viu meu carro vindo com a seta ligada para estacionar, e ela estava no outro sentindo- não daria para ela estacionar sem fazer o retorno. Então, ela, pilota profissional, que não vê a necessidade da seta, aumenta a velocidade de sua super banheira quase voadora e pega o lugar que eu queria.

Uau, confesso que eu fiquei apática ao saber que existiam vizinhos que gostavam de roubar vagas de uma rua praticamente vazia. Ela me viu chegando, dando seta para estacionar e me deu um balão. Pegou na caruda a minha vaga. Fiquei em choque. A cara-de-pau saiu do carro correndo, como se estivesse com muita pressa, fingindo que não estava me vendo. Estou rindo agora, mas no dia fiquei muito apática e em choque.

No meu segundo dia de confinamento, enquanto escrevo este texto, vejo que nada disso tem sentido mais. Quando será que as coisas voltarão a ter sentido? Eu poderia contar mais cinco histórias facilmente de outros três vizinhos estranhos, mas, por enquanto, não estou vendo sentido.

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